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dezembro 31, 2016

2016.

Mas se você sabe o que é isso, se já passou a noite toda acordado e chorou até acabarem as lágrimas… Então você sabe... Então você sabe que, no fim, desce sobre nós uma grande calma. Chegamos até a ter a sensação que nada mais nos poderá acontecer. - C.S. Lewis, As Crônicas de Nárnia. 

Deus, que ano.

Estou convencida de que quanto mais se cresce, mais se chora. Ou de que eu estou fazendo o contrário de crescer, o que não é verossímil.
Lamento profundamente que as primeiras lembranças que me ocorrem ao refletir sobre 2016 sejam de perdas. Eu perdi o meu avô em Janeiro. Amizades preciosas também esmaeceram e foi como se apagassem algo dentro de mim.
Para uma delas eu juro que não sei o que fiz. Talvez eu o tenha exaurido com as minhas palavras sempre emocionadas em alguma medida, mas esforcei-me para manter a promessa de ser responsável, e também assumi o risco de chorar um pouquinho quando me deixei cativar. Chorei, no entanto, pela irreciprocidade, pelo silêncio permanente, e não foi pouco. Sinto-me agora como se não tivesse mais que três espinhos para me defender do mundo, e há muito mais que duas ou três larvas para suportar. Pouco importam as borboletas. Estou sozinha. Apesar disto, tenho nutrido a esperança de seu retorno e espero, ainda, que não me venha com um carneiro sem mordaça, a fim de me devorar... Porque metade de mim é partida, mas a outra metade é saudade.
Fui decepcionada de outros modos e por outras pessoas. O desprezo de alguém importante por um sonho - um sonho que era meu, - fez-me definhar. Vi de perto a própria loucura quando ninguém pode compreender o tamanho da minha dor e desejei a morte como nunca antes. Crises de angústia me puseram em dívida até com a função que exerci e amei no lugar que me ofereceu uma das maiores experiências que já tive. Pensei estar doente, e meu corpo manifestou o que eu pensei com vômitos, febres, quedas de pressão, dores agudas e pânico em momentos aleatórios, por diversas vezes. Veio ainda a culpa por não encontrar motivos sólidos para tamanho sofrimento, pelo meu egoísmo, por ter me tornado tão incapaz de enxergar além da minha própria dor. Porque metade de mim é o que penso, e a outra metade é um vulcão.
Eu tentei me reerguer e dançar, me envolvendo em mais um projeto artístico, tentando resgatar meus sonhos frustrados n'Aquela Saudade. Interpretei a Memória de Perdas. Embora tenha sido belo, jurei não querer estar num palco outra vez. Doeu admitir que a metade de mim é a lembrança do que fui, mas a outra metade não sei.
Alegro-me, porém, por poder chegar ao último dia do ano e falar de pequenas vitórias, não nos momentos em que as águas se acalmaram, mas em meio à tempestade. Permaneci firme em meus estudos, mesmo nos dias em que vi os cabelos fracos, caindo aos montes, e quando enfrentei dificuldades indizíveis de concentração. As notas do primeiro semestre refletem meu desespero, e as do segundo refletem que, apesar de tudo, está tudo bem. Permaneci firme em meu trabalho, procurando me entregar de todo coração às crianças que coloriram minhas semanas e me fizeram esquecer, ao menos por seis horas diárias, tudo o que se passava em mim. Tais conquistas (se é que manter dádivas outrora recebidas pode-se chamar de conquistas) não foram, de modo algum, méritos somente meus. Devo a permanência na faculdade à minha família e no trabalho às colegas e superiores que tanto viram e insistiram em mim. Até hoje não compreendo o que viram, mas olhos bons veem coisas lindas, e nisso eu acredito.
Eu acredito que Deus me acrescentou amores, para tornar tudo mais leve. Um grupo de amigas, um garotinho de 4 anos, uma cadelinha que pensa que é gente. Foram como anjos. Em meu coração sou profundamente grata pelos amigos que, ainda que distantes, permaneceram inabaláveis. As poucas palavras que trocamos ao longo do ano me encheram de esperança e de fé para uma vida inteira. Eu nunca vou ter condições de retribuir. Ainda bem que dever amor não é pecado.
Quando finalmente me vi tranquila, quando tudo passou, a calmaria veio. A calmaria, e não a euforia. Não tenho grandes expectativas daqui por diante. Ando devagar porque já tive pressa, e levo esse sorriso porque já chorei demais. Hoje me sinto mais forte, mais feliz, quem sabe? Só levo a certeza de que muito pouco eu sei. Ou nada sei.
Que 2017 seja leve, mas se for para aprender menos do que aprendi esse ano, quero mais é que ele venha com tudo. Feliz ano novo?


Drench yourself in words unspoken, live your life with arms wide open. Today is when your book begins, the rest is still unwritten.